Na última aula, retomamos a relação entre o sublime e a moralidade em Immanuel Kant, conforme exposta nos §§27–28 da Crítica da faculdade de julgar (1790), e acompanhamos como essa relação é desenvolvida e transformada por Friedrich Schiller, especialmente nas Cartas para a educação estética da humanidade (1795) e no ensaio Sobre o sublime (Über das Erhabene, 1793-1801).
Para Kant, o sublime (das Erhabene) é um sentimento (Gefühl) resultante de um juízo estético que se inicia por um momento de desprazer: diante de algo que excede nossa capacidade de representar (como o infinito ou o poder da natureza), a imaginação (Einbildungskraft) fracassa em dar conta da totalidade, gerando uma sensação de inadequação e terror. Esse momento negativo, contudo, é superado pela razão (Vernunft), que reconhece que, embora sensivelmente impotente, somos moralmente superiores e, por isso, livres. O prazer (Wohlgefallen) do sublime é, assim, de tipo negativo, pois nasce do desprazer superado, e nos desperta o sentimento de respeito (Achtung) pela natureza. Nesse sentido, o sublime revela a liberdade prática e a dignidade do sujeito moral, ainda que limitado enquanto ser natural.
Exploramos também como o sentimento (Gefühl), o qual reúne em seu campo semântico afetos, paixões e estados interiores, servirá de base para a valorização romântica do inefável (das Unaussprechliche), do suprassensível e do absoluto. Autores pós-kantianos como Johan Triest e Christian Michaelis destacam a música como arte superior por excelência: ela é ao mesmo tempo espiritual, imaterial e intrinsecamente ligada ao indizível. Henrique lembrou da etimologia de "espírito" (spiritus – “sopro”), remetendo ao fato de que a música é uma arte rarefeita como o ar. A música, por sua natureza não-conceitual, corporifica justamente esse domínio que escapa à linguagem ordinária e se aproxima do infinito.
Foi nesse ponto que Maurício nos ajudou a fazermos a ponte com Schiller, especialmente com sua proposta de uma pedagogia estética nas Cartas para a educação estética. Influenciado por Kant, Schiller identifica dois impulsos fundamentais no ser humano: o impulso sensível (Sinnestrieb), ligado à matéria e ao tempo, e o impulso formal (Formtrieb), ligado à forma e à razão. A síntese desses dois impulsos é o impulso lúdico (Spieltrieb), responsável por gerar a experiência estética da beleza. Ao jogar com a aparência, como uma criança que faz um carrinho voar, emprestamos liberdade ao mundo sensível e, assim, nos educamos para a liberdade. A educação estética (ästhetische Erziehung) consiste, portanto, na formação inicial da sensibilidade para a receptividade da ideia de liberdade, mesmo quando ela ainda não pode ser efetivada. Em outras palavras, diríamos: é a sensibilização para se conceber outras realidades possíveis, ainda que irreais.
Vimos como no ensaio Sobre o sublime Schiller complementa essa pedagogia ao introduzir uma diferenciação: se a beleza promove um jogo sereno e tranquilo, preparatório, o sublime promove um jogo sério. Diante da realidade terrível e do sofrimento, já não bastam a harmonia ou o prazer; é necessário resistir moralmente, afirmar a liberdade mesmo quando não se pode triunfar sensivelmente. O sublime, nesse sentido, é a continuação e maturação da formação estética nos termos de uma formação cultural mais ampla (Bildung), que agora prepara o sujeito não apenas para acolher a liberdade, mas para efetivá-la eticamente. Ecoa aqui a ideia kantiana do Esclarecimento (Aufklärung), entendida como a saída da menoridade rumo à autonomia.
Como expressão plena e acabada disso tudo, convido vocês a ouvirem a Nona Sinfonia de Beethoven (Sinfonia nº 9 em ré menor, op. 125), de 1824, em especial o quarto e último movimento, o qual contém de maneira inédita um coro: não por acaso, com o poema de Schiller À Alegria ("An die Freude"), de 1785. Peço que ouçam o movimento e tentem responder à seguinte questão: o poema épico de Schiller corresponde à parte instrumental do movimento? pensem nos elementos que já consideramos da música de Beethoven, associados ao romantismo: tensão, intensidade e dissonância, e a melodia estendida do coro, por exemplo.
Nona Sinfonia de Beethoven (Sinfonia nº 9 em ré menor, op. 125), de 1824
https://youtu.be/4IqnVCc-Yqo?t=2890
À Alegria ("An die Freude") de Schiller, de 1785
https://www.friedrich-schiller-archiv.de/gedichte-schillers/highlights/an-die-freude/
PS.: A versão para o coro é reduzida e possui algumas inserções.