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Schopenhauer e a metafísica da vontade

Schopenhauer e a metafísica da vontade

por Luan Corrêa da Silva -
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É verdade que o escritor de contos fantásticos E.T.A. Hoffmann, na esteira aberta por Burke, Triest e Michaelis, já figura como um paradigma da leitura romântica de Beethoven, por consolidar a autonomia da música instrumental no campo da crítica musical. Contudo, é Arthur Schopenhauer o responsável por sistematizar filosoficamente essa autonomia em sua obra fundamental: O mundo como vontade e representação (Die Welt als Wille und Vorstellung), publicada em dois volumes, o primeiro em 1818, e o segundo (os "Suplementos") em 1844.

Embora nascido em Danzig (hoje Gdańsk, Polônia), Schopenhauer viveu boa parte de sua vida na Alemanha. Estudou em Göttingen e Berlim, e fixou-se em Frankfurt, onde passou seus últimos anos. Sua formação filosófica foi profundamente marcada pela filosofia kantiana, especialmente por meio da influência de Ernst Schultze, que o inspirou a conciliar Kant com Platão. Diferentemente de Kant, no entanto, Schopenhauer teve um contato direto com a vida artística de sua época. Filho de um comerciante, viajou desde cedo pela Europa e teve acesso a centros culturais como Paris, Roma e Florença. Dessas experiências, adquiriu não apenas fluência em outros idiomas, mas também uma visão cosmopolita da cultura e, em consequência, da própria filosofia.

Conviveu com poetas, artistas e músicos de diferentes regiões, os quais, segundo ele mesmo, exerceram mais influência sobre sua filosofia do que os pensadores de sua época. Além dos mestres do Renascimento, Schopenhauer menciona Correggio, Ruisdael e a pintura holandesa. Entre os poetas mais citados, estão Shakespeare, Goethe, Schiller e Byron, mas também escritores espanhóis, como Cervantes, Calderón e Gracián. Entre os músicos, elogia Rossini, Mozart e, com destaque, Beethoven. Seu pensamento influenciou inúmeros artistas e escritores ao redor do mundo, como Thomas Mann, Guy de Maupassant, Cioran, Machado de Assis e Augusto dos Anjos. Na pintura, há ligações com Kandinsky e referências a Mondrian. Na música, sua recepção mais notável se dá em Richard Wagner.

Essas influências dão à filosofia de Schopenhauer uma tonalidade trágica inédita na tradição filosófica ocidental. Seu desencanto com os ideais iluministas e com os desdobramentos da Revolução Francesa se conecta com o pessimismo cultivado na literatura pré-romântica do Sturm und Drang e o título da obra de Calderón, "La vida es sueño", imprime-lhe a alma como uma epígrafe. No capítulo 46 do segundo volume de sua obra, intitulado “Da vaidade e do sofrimento da vida”, encontramos uma condensação dessas referências. Schopenhauer afirma, com Francesco Petrarca: “Mille piacer’ non vagliono un tormento” (“Mil prazeres não valem um tormento”) (W II, cap. 46, p. 687), para expressar que “contra cada desejo satisfeito, permanecem ao menos dez que não o são” (W I, § 38, p. 266). Por isso mesmo, com Voltaire, conclui: “Le bonheur n’est qu’un rêve, et la douleur est réelle” (“A felicidade é apenas um sonho, e a dor é real”).

Para Schopenhauer, a dor é positiva; o prazer, apenas a cessação momentânea da dor (W II, cap. 46, p. 686). A felicidade, por isso, só seria concebível como negação do sofrimento. O ciclo interminável de carências e dores define o sofrimento como condição existencial da vida, na qual a dor, a angústia e a falta são manifestações patológicas da vontade. A vontade em si, entendida como afirmação cega e inconsciente de si, tende sempre à repetição e à reprodução, definindo a própria essência da vida. Dessa constatação decorre a sentença central de seu pessimismo metafísico: “alles Leben ist Leiden” (“toda vida é sofrimento”) (W I, § 56, p. 360). Assim se expressa o filósofo:

"Todo querer nasce de uma necessidade, portanto, de uma carência, logo, de um sofrimento. A satisfação põe fim ao sofrimento; todavia, contra cada desejo satisfeito, permanecem pelo menos dez que não o são. Além disso, nossa cobiça é duradoura, nossas exigências, ilimitadas; a satisfação, ao contrário, é breve e modesta. Mesmo a satisfação final é apenas aparente: o desejo satisfeito logo dá lugar a um novo; o primeiro era um erro conhecido, o segundo, um erro ainda desconhecido. Nenhum objeto desejado pode oferecer uma satisfação duradoura. Tudo se assemelha, no máximo, a uma esmola jogada a um mendigo: alivia-lhe a miséria por um dia, apenas para prolongar-lhe o tormento no dia seguinte." (W I, § 38, p. 266).

Schopenhauer associa esse ciclo de carência e dependência ao sofrimento à Roda de Íxion, figura mitológica condenada a girar eternamente preso a uma roda em chamas, oscilando sem fim entre dor e alívio:

Ixion in Tartarus on the Wheel (1731), Bernard Picart

Gravura: Ixion in Tartarus on the Wheel (1731), Bernard Picart

Na psicofisiologia schopenhaueriana, a razão abstrata é apenas uma das manifestações da vontade e, exclusiva do humano, é a mais derivada. Schopenhauer inova ao ressaltar a dimensão inconsciente (em alemão, bewusstlos, como adjetivo) da autoconsciência (Selbstbewusstsein). Como dirá Freud: "o eu não é senhor em sua própria casa". Em Das Unheimliche (O infamiliar, o estranho, o inquietante), Freud retoma o conto de E.T.A. Hoffmann, O homem da areia, para explorar esse estranhamento que emerge do familiar. A ideia de um inconsciente (agora substantivado: das Unbewusste) passa, com Freud, a ser estruturante da psicanálise, em continuidade com a filosofia trágica de Schopenhauer.

Entretanto, o pessimismo schopenhaueriano, por mais radical que seja, pretende ser um antídoto contra os otimismos ingênuos, considerados por ele não apenas ilusórios, mas prejudiciais. Basta observar os discursos contemporâneos que atribuem a conquista da felicidade e da emancipação apenas ao esforço individual, como no discurso dos coachs do empreendedorismo, os quais ignoram as determinações emocionais, sociais e estruturais envolvidas. Mais ainda: por trás da promessa de que a felicidade é plenamente alcançável, esconde-se a crença de que a dor pode ser eliminada. Essa crença, longe de nos libertar, frequentemente intensifica nosso sofrimento por alimentar expectativas irreais e ansiedades crônicas.

É nesse contexto que a arte se configura, para Schopenhauer, como um recreio possível (Freizeit): uma suspensão parcial da vontade e do sofrimento. Através da arte, especialmente da música e da tragédia experimentamos, ainda que momentaneamente, uma forma de alegria ou de imperturbabilidade (ataraxía, na tradição grega), na qual o espírito se descola da servidão aos impulsos corporais. Na arte, a dor é transfigurada e contemplada esteticamente, oferecendo-nos, paradoxalmente, a possibilidade de fruição do sofrimento.