O trabalho do grupo de teatro argentino Teatro Abierto, que surgiu em 1981 durante a ditadura militar na Argentina, foi uma forma poderosa de resistência cultural contra a censura e repressão do regime, utilizando o teatro como meio de crítica social e política. O movimento começou com a colaboração de dramaturgos, diretores e atores que se uniram para criar peças que desafiassem a violência e o controle exercido pela ditadura. Embora os temas políticos fossem abordados de forma sutil para evitar censura direta, as peças tratavam de questões como desaparecimentos forçados, tortura e repressão, proporcionando uma plataforma para discutir questões que eram silenciadas pelo governo.
A peça mais famosa foi Papá Querido de Aída Bortnik, que abordava a desintegração de uma família, metáfora clara para a destruição social e emocional causada pela ditadura. O sucesso do Teatro Abierto foi tão grande que, em resposta, o governo militar chegou a incendiar o teatro onde as apresentações ocorriam, uma prova do impacto que o movimento causou. Papá Querido conta a história de uma família argentina que parece viver em harmonia, mas que, aos poucos, vai revelando suas tensões e traumas profundos. O "papá" da peça é uma figura patriarcal opressiva, controladora e ausente, uma clara metáfora para o regime militar da Argentina, que governava com mão de ferro, mantendo uma aparência de ordem, mas escondendo horrores, como desaparecimentos forçados e torturas.A peça explora como o poder patriarcal da figura do pai afeta cada membro da família, destruindo laços emocionais e corroendo a confiança entre eles. O ambiente familiar na obra reflete a sociedade argentina da época: uma sociedade controlada por um regime ditatorial, onde a liberdade de expressão era restrita, e os cidadãos viviam em constante medo. Os temas de violência emocional e o controle psicológico no ambiente familiar espelhavam o clima de repressão e controle que o regime militar impunha ao país.
Escolhi o Teatro Abierto como forma de expressão artística durante a ditadura argentina porque o teatro se mostrou uma poderosa ferramenta de resistência em um dos períodos mais sombrios da história do país. A coragem dos artistas em criar obras que, mesmo sob risco de repressão, refletiam a angústia e o sofrimento da população, é um testemunho de como a arte pode servir de voz para os que foram silenciados.
Esse movimento é uma prova de que, em meio à censura e à opressão, a arte pode transcender o medo e desafiar regimes autoritários. Relacionei essa escolha à ditadura militar argentina pela forma como o Teatro Abierto foi uma das poucas maneiras de protesto e resistência pública, lidando com a censura e a repressão estatal. O movimento também dialoga com o que ocorreu em outros países da América Latina, como o Brasil e o Chile, onde a arte foi usada para confrontar o autoritarismo. A repressão retratada em Papá Querido pode ser vista como uma extensão dessa lógica de segurança. A ditadura militar argentina, ao se alinhar com os interesses geopolíticos dos EUA e de outras ditaduras latino-americanas no combate ao comunismo, adotou uma postura agressiva em sua política externa, colaborando ativamente com a Operação Condor. Esse contexto internacional influenciou diretamente a violência interna retratada na peça, o que a torna um material riquíssimo para entender as interconexões entre política externa e repressão doméstica nos regimes autoritários latino-americanos.
Link para visualização da peça:
https://www.dramavirtual.org/2017/06/papa-querido-aida-bortnik.html