A Tropicália foi um movimento cultural que emergiu no final dos anos 1960 no Brasil e teve grande impacto na música, arte e cultura do país. Esse movimento se destacou pela fusão de elementos da cultura popular brasileira, como o samba e a bossa nova, com influências internacionais, como o rock, o jazz e a música experimental. Espalhando-se por diversas regiões do Brasil, a Tropicália teve como principais expoentes artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes, Gal Costa e Chico Buarque, entre muitos outros. Além de promover uma revolução estética, o movimento também serviu como uma importante forma de resistência à Ditadura Cívico-Militar instaurada em 1964. Por meio da MPB, esses artistas se manifestaram contra as diversas formas de repressão e violência perpetradas pelo regime autoritário. Dentre as inúmeras canções que surgiram nesse movimento, algumas se destacam por sua importância e popularidade. Uma das mais conhecidas é a canção Geni e o Zepelim, de Chico Buarque, lançada em 1970, no auge da censura no Brasil.
O papel de Geni, a figura feminina a que Chico Buarque se refere, e que no musical “Ópera do Malandro”, adaptação da música, é revelado ser uma mulher transexual, reflete a hipocrisia de uma sociedade que despreza e, ao mesmo tempo, depende dos marginalizados. O uso de termos como "maldita Geni" reforça a violência verbal que recai sobre ela, enquanto o zepelim é uma metáfora do poder destrutivo — seja ele militar, social ou político. A música, ao longo de seus versos, critica as dinâmicas de poder, à moralidade conservadora e ao preconceito estrutural, mas também uma reflexão sobre como a sociedade trata seus "salvadores" apenas quando conveniente.
“E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni!
Joga pedra na Geni!
Ela é feita pra apanhar!
Ela é boa de cuspir!
Ela dá pra qualquer um!
Maldita Geni!”
Quando o comandante do zepelim chega e ameaça destruir a cidade, a narrativa muda. De repente, a figura que antes era odiada torna-se necessária. A população que a desprezava passa a implorar para que Geni os salve:
"Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar!
Esses versos destacam a hipocrisia social: Geni, que antes era alvo de ódio e violência, agora é essencial para salvar a todos. A comunidade projeta nela uma esperança de salvação, apenas porque é conveniente para seus interesses. A figura do comandante, que representa o poder externo e opressor, reforça essa troca desigual, onde Geni só é valorizada quando atende aos desejos de um opressor.
Chico Buarque utiliza a figura da mulher marginalizada para personificar os oprimidos pela violência militar, destacando que, assim como durante a ditadura, a repressão não atinge apenas os dissidentes políticos, mas também aqueles que não se conformam aos padrões sociais. Assim, Geni e o Zepelim é uma denúncia da resistência, onde Chico Buarque revela, através de metáforas e uma narrativa trágica, as contradições e violências de uma sociedade hegemônica que marginaliza e explora simultaneamente. Ao utilizar a figura de Geni, ele fala sobre como as vozes silenciadas da ditadura eram instrumentalizadas apenas para satisfazer as demandas do governo autoritário, e depois descartadas.