Os textos dramatúrgicos têm a capacidade de conectar o público aos acontecimentos históricos, seja para reproduzi-los e exaltá-los, seja para questioná-los e criticá-los. Essa conexão é estabelecida por meio de um diálogo entre a peça, o contexto histórico e o público. A obra que apresento à turma reflete, com grande maestria, o ambiente artístico brasileiro durante a Ditadura Militar: trata-se da peça "Um Grito Parado no Ar", de Gianfrancesco Guarnieri (1973).
Guarnieri narra a história de um grupo de artistas teatrais que, com apenas dez dias para estrear sua peça, enfrentam limitações financeiras severas e pressões externas, cujas origens são sugeridas de forma sutil pelo autor. À medida que a narrativa avança, essas limitações se tornam mais evidentes: os recursos da produção vão sendo gradualmente retirados, até a perda da energia elétrica, deixando o palco e os atores em completa escuridão. Essa retirada progressiva de recursos simboliza as dificuldades enfrentadas pelos artistas sob o regime autoritário, e o último grito de um dos personagens, sufocado pela ausência de liberdade e apoio à arte, transforma-se em um poderoso símbolo de resistência à opressão.
Em um contexto de repressão e censura, Guarnieri cria uma obra que critica a situação do teatro sob a Ditadura Militar. Sua peça funciona como uma denúncia contundente em favor da arte livre e popular, utilizando-se de metáforas e da metalinguagem para escapar da censura governamental. "Um Grito Parado no Ar" reflete o impasse em que o teatro brasileiro se encontrava: a impossibilidade de uma fala direta, silenciada pelas forças repressoras, forçava a busca por novas formas de expressão artística que pudessem manter viva a luta por liberdade. Guarnieri, mais conhecido por sua célebre obra "Eles Não Usam Black-Tie" (1958), em "Um Grito Parado no Ar" mistura realidade e ficção, inserindo o contexto social e político da época na própria estrutura do texto.
Ele introduz o conceito de "Teatro de Ocasião", um novo termo que descreve a peça como a história que poderia ser contada naquele momento específico, dentro das restrições impostas pelas circunstâncias. Nesse sentido, o Teatro de Ocasião emerge como uma estratégia essencial para resistir e denunciar o autoritarismo, apontando para um novo caminho de expressão e luta, utilizando-se de novos instrumentos linguísticos para atingir tal feito.
Link para peça (Festival Cidade de Vitória/ES - 2014): https://www.youtube.com/watch?v=N8_9p_8iS0A