A ditadura militar argentina (1976-1983) - “Processo de Reorganização Nacional”, que se iniciou com o golpe de Estado sobre María Estela Martínez de Perón, consolidou o fim abrupto do governo peronista e oficializou o modelo neoliberal no país. O contexto instável do período retoma a segregação interna entre peronistas e antiperonistas; as crises econômicas; as elevadas taxas de inflação; o crescente aumento da violência, etc. Nesse sentido, em 1976, o cenário doméstico já legitimava a intervenção militar que, na época, era percebida como inevitável. O novo regime, pois, dentre outras características, foi pautado no terrorismo de Estado associado à Doutrina de Segurança Nacional - algo convergente ao que foi vivenciado na própria ditadura civil-militar brasileira.
Dentre os movimentos de resistência ao governo, destacam-se diversas mobilizações populares, como o movimento das Mães da Praça de Maio, e expressões artísticas que, em meio à forte censura, buscavam brechas para denunciar as atrocidades que estavam sendo cometidas. Dentre essas manifestações culturais, gostaria de abordar a música “Los Dinosaurios”, de autoria do músico Charly Garcia, lançada em 1983. A canção, marcada por uma letra simples e impactante, reflete o ambiente de terror vivido pela população argentina, especialmente em relação à repressão e aos desaparecimentos forçados promovidos pelo regime.
A música de estilo rock nacional inicia com versos que explicitam a realidade na qual indivíduos poderiam simplesmente desaparecer - amigos, artistas, jornalistas ou até entes queridos -, sem quaisquer explicações:
“Los amigos del barrio pueden desaparecer,
Los cantores de radio pueden desaparecer,
Los que están en los diarios pueden desaparecer,
La persona que amas puede desaparecer."
Ademais, a repetição dos termos pode indicar a elevada frequência com que indivíduos sumiam, além da própria imersão da vida cotidiana na violência estatal estabelecida. Em um dos trechos, entretanto, é dito:
“Pero los dinosaurios van a desaparecer”
“Los dinosaurios”, nesse sentido, representa uma metáfora dos líderes militares, personagens até então grandes, poderosos, imponentes, que eram dominantes naquele período histórico, mas que estavam fadados a desaparecerem, a virarem passado, tal como os dinossauros já extintos. Analisando o ano em que foi lançada (1983), a canção retoma justamente o período de queda do regime, anunciado pela instabilidade econômica, pela derrota na Guerra das Malvinas e pela pressão tanto doméstica, quanto internacional.
Assim, no contexto de transição política, Charly sugere que, apesar de toda a força opressiva dos militares, seu tempo era limitado, e eles não teriam lugar no futuro da Argentina - o que simbolizou, também, uma mensagem de esperança diante dos novos tempos.
Link para a música:
Outras referências bibliográficas sobre o período:
“La política en suspenso: 1966-1976” - Liliana De Riz - “El duelo entre dos generales”
“La frustración de un proyecto económico: el gobierno peronista de 1973-1976” - Marcelo Rougier e Martín Fiszbein
“Historia de la última dictadura militar” - Gabriela Águila - “El golpe de Estado”
“La dictadura: desindustralización y reconfiguración de las relaciones económicas y sociales” - Azpiazu e Schorr
“Nueva Historia Argentina - Dictadura y democracia (1976-2001): Los cambios en el mundo del trabajo y los dilemas sindicales” - Héctor Palomino
Memória e Resistência. Acesso em: https://memresist.webhostusp.sti.usp.br/?page_id=239
“A ditadura militar na Argentina (1976-1983): retomando algumas hipóteses frente aos relatos oficiais” - Gonzalo Adrián Rojas. Acesso em: https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol.32/gonzalo_adrian_rojas.pdf
“Charly García simboliza irreverência e resistência à repressão” - Lab Dicas Jornalismo. Acesso em: https://labdicasjornalismo.com/noticia/12182/charly-garcia-simboliza-irreverencia-e-resistencia-a-repressao