1. Tanto Chantal Mouffe quanto Ernesto Laclau tratam da importância do conflito na política. Eles defendem que a democracia não é um espaço de consenso total, mas de disputa entre ideias, interesses e visões de mundo diferentes.
Mouffe explica que a própria democracia vive um “paradoxo”: de um lado está o liberalismo, que fala em liberdade individual e direitos; de outro, a democracia, que fala em igualdade e vontade popular. Essas duas coisas convivem, mas também se chocam — e esse choque é inevitável.
Nos textos dela, especialmente quando fala de Carl Schmitt, Mouffe mostra que o conflito é parte natural da política. Mas, ao contrário de Schmitt, que via o outro como inimigo a ser eliminado, ela propõe que o adversário seja visto como alguém com quem se discorda, mas que tem o mesmo direito de existir na arena política. Esse é o modelo que ela chama de democracia agonística — uma democracia viva, que aceita o confronto e o transforma em diálogo e disputa legítima.
Já Laclau, em Populism: What’s in a Name?, fala sobre o populismo como uma forma de dar voz a quem se sente excluído. Ele diz que o populismo aparece quando o “povo” sente que os partidos tradicionais e as instituições já não o representam. Em vez de ver o populismo como algo ruim, Laclau mostra que ele é um modo de reconstruir a ligação entre as pessoas e a política, criando uma identidade comum em torno de demandas populares.
2. O mais interessante é que os dois autores revalorizam o conflito. Em tempos em que se fala tanto em consenso, eles lembram que a política precisa de emoção, de disputa, de paixão.
Mouffe me chama atenção porque ela enfrenta de frente a ideia de que “democracia boa é aquela em que todo mundo concorda”. Para ela, isso é uma ilusão perigosa — se não houver espaço para o desacordo, as pessoas acabam levando seus conflitos para fora da política, em forma de ódio, intolerância e violência.
Laclau também surpreende porque defende o populismo de um jeito novo. Ele mostra que, muitas vezes, quando o sistema político não escuta as pessoas, o populismo surge para ocupar esse vazio — e que isso não precisa ser algo negativo, desde que o conflito continue dentro das regras democráticas.
3. Os dois ajudam muito a entender o que estamos vivendo hoje. A crise da democracia não é só por causa da polarização ou das fake news, mas porque o sistema político parou de oferecer espaços reais para o conflito e a diferença. Quando tudo parece igual — quando os partidos e governos dizem as mesmas coisas —, as pessoas se revoltam e o conflito volta com força, mas em forma de raiva e moralização: o “nós contra eles”, o “bem contra o mal”.
Mouffe e Laclau diriam que isso acontece porque a política deixou de canalizar os conflitos de maneira saudável. As disputas que antes eram políticas agora viram guerras morais, onde o outro é visto como inimigo.
A saída, segundo eles, não é acabar com o conflito, mas trazê-lo de volta para dentro da democracia. Precisamos aprender a discordar sem destruir — transformar o antagonismo em agonismo, ou seja, um conflito que faz a sociedade avançar.
Em resumo: a crise da democracia é a crise da nossa capacidade de lidar com o diferente. E tanto Mouffe quanto Laclau nos lembram que o dissenso não é uma ameaça, mas a essência do que é ser democrático.