Comentário Laclau

por Gabriel Calçada Barros da Silva (202500047) -

1 - Ernesto Laclau expõe no artigo a sua teoria do populismo em que esse conceito é definido, não pelo seu conteúdo, mas pela sua forma de articulação e expressão política. Segundo o autor, o que essencialmente constitui um discurso populista  é a construção de uma fronteira interna em determinada comunidade política que separa e, acima de tudo, constitui, de um lado, os membros do grupo populista que pretendem representar o povo,  e, de outro,  aqueles a quem se opõem, o poder estabelecido, o status quo. A constituição do movimento populista , do "nós", é feita  por meio da identificação das mesmas demandas, reivindicações frustradas, o que cria uma espécie de solidariedade e senso de união entre o grupo, o que o autor chama de "cadeias de equivalência". Laclau argumenta que esse movimento só se mantem unido em oposição a um opositor comum, por meio da hegemonia do que chama de significantes vazios e flutuantes, isto é,  palavras de ordem, slogans, bandeiras que dão um senso de unidade e sentido ao grupo, que muitas vezes são desprovidos de  sentido(significantes vazios), ou possuem um sentido bastante oscilante, vacilante(significantes flutuantes). Justamente em razão dessa falta de sentido, ou sentido por demais genérico, esses significantes dão conta de manter unidos membros com posicionamentos às vezes bastante divergentes.

Além disso, o populismo possuiria uma lógica de enfrentamento, desafio à ordem institucional vigente,  expresso naquele segundo sentido que Laclau identifica na palavra "demand" em inglês, ou no sentido de "reivindicação" em português,  ou seja, o de impor uma demanda, uma reivindicação e não solicitá-la.

A partir dessa descrição,  Laclau entende que toda política é populista em alguma medida, ou seja, que todo grupo político define a sua própria identidade em oposição, construindo uma fronteira em relação a um adversário, até mesmo os membros do que o autor chama de "centro radical", variando apenas em questão do grau ou intensidade dessa forma de articulação política.

2 - Em primeiro lugar, a forma como Laclau constrói a sua teoria do populismo com base no chamado pós-modernismo ou filosofia da linguagem, o que fica evidente nos termos que ele utiliza como, por exemplo, "significante", "hegemonia", etc.

Em segundo lugar, o acerto, no meu entender, em definir o populismo não pelo seu conteúdo, mas pela sua forma de articulação política. Pois, com efeito, o populismo abrange uma série de movimentos que possuem posições e ideologias as mais diversas, de Hugo Chávez a Donald Trump, de forma que só uma definição formal, como ele propõe, dá conta de definir adequadamente esse fenômeno.

3 - Laclau propõe que as identidades políticas constituem-se sempre em oposição a um adversário , a um grupo tido como rival, ou seja, de acordo com uma lógica do "nós contra eles". Nesse sentido, com efeito, nem mesmo os grupos mais  "centristas",  "institucionais", "democráticos", "pós-políticos" e "moderados",  fogem dessa regra, pois eles constroem a sua própria identidade por meio da oposição ao que rotulam como "populistas", "radicais", "aventureiros", "anti-sistema", etc. Se, de fato, a política se constitui essencialmente a partir de uma lógica do "nós contra eles", então a polarização alardeada na atualidade, os conflitos morais contemporâneos, não são algo estranho à política, mas a sua própria essência. Negar essa lógica do conflito na política seria recair na lógica da "pós-política", em que a política é entendida como uma mera administração de pessoas e recursos.

Comentário sobre Chantal Mouffe, The Democratic Paradox

por Tiago Mazeti (202500052) -

1 – A autora elabora uma crítica à democracia liberal na qual identifica um paradoxo baseado na necessidade de consenso e de inclusão de adversários de um lado e na despolitização da vida pública ocasionada pelo liberalismo através da redução do espaço para a discordância de outro. É como se a necessidade de engajamento e participação típica da democracia fosse prejudicada por uma pretensa neutralidade do Estado liberal que torna a política opaca em relação às contradições existentes na sociedade. Isso torna mais evidente a demanda por um Estado que aceite o dissenso e a diferença como motores da vida pública, reconhecendo a inimizade construtiva do espaço público sem permitir que ela se transforme em violência ou ruptura institucional corrosiva ao Estado. Daí advém a proposta da autora por um modelo agonístico de democracia na qual o conflito é canalizado de forma legítima para a existência de diferentes grupos, partidos e mobilizações populares de forma civilizada e democrática.

2 – A ideia de que o conflito é inerente à política chama a atenção, principalmente em um contexto no qual se fala de pacificação da política. Claro, que nesta ideia de pacificação estão contidos certas violências e outros excessos que escapam ao conceito de conflito defendido pela autora. Mas muitas figuras políticas de destaque negam que o conflito pode ter um papel estruturante na política, desde que esteja contido em um contexto institucional que possa canalizá-lo para a deliberação sem violência.

3 – Creio que o trabalho da autora se relaciona com a disciplina por colocar questões para pensar tanto sobre “Crises da democracia” quanto sobre “ conflitos morais”: na primeira questão, o que muitos analistas e políticos acreditam ser uma “crise” pode ser apenas um sintoma de acirramento das próprias características democráticas, já a segunda questão alude às causas do conflito que a ideia de democracia agonística pode ajudar a resolver, mas não no sentido de eliminar o conflito na vida pública, mas sim no sentido de impor regras a partir das quais se desenvolvem debates e disputas sem censurar nenhum grupo ou permitir que a violência seja utilizada de qualquer forma.

Resposta

por Tuliana Fernandes Rosa (202505667) -

1. Tanto Chantal Mouffe quanto Ernesto Laclau tratam da importância do conflito na política. Eles defendem que a democracia não é um espaço de consenso total, mas de disputa entre ideias, interesses e visões de mundo diferentes.

Mouffe explica que a própria democracia vive um “paradoxo”: de um lado está o liberalismo, que fala em liberdade individual e direitos; de outro, a democracia, que fala em igualdade e vontade popular. Essas duas coisas convivem, mas também se chocam — e esse choque é inevitável.

Nos textos dela, especialmente quando fala de Carl Schmitt, Mouffe mostra que o conflito é parte natural da política. Mas, ao contrário de Schmitt, que via o outro como inimigo a ser eliminado, ela propõe que o adversário seja visto como alguém com quem se discorda, mas que tem o mesmo direito de existir na arena política. Esse é o modelo que ela chama de democracia agonística — uma democracia viva, que aceita o confronto e o transforma em diálogo e disputa legítima.

Já Laclau, em Populism: What’s in a Name?, fala sobre o populismo como uma forma de dar voz a quem se sente excluído. Ele diz que o populismo aparece quando o “povo” sente que os partidos tradicionais e as instituições já não o representam. Em vez de ver o populismo como algo ruim, Laclau mostra que ele é um modo de reconstruir a ligação entre as pessoas e a política, criando uma identidade comum em torno de demandas populares.

 

2. O mais interessante é que os dois autores revalorizam o conflito. Em tempos em que se fala tanto em consenso, eles lembram que a política precisa de emoção, de disputa, de paixão.

Mouffe me chama atenção porque ela enfrenta de frente a ideia de que “democracia boa é aquela em que todo mundo concorda”. Para ela, isso é uma ilusão perigosa — se não houver espaço para o desacordo, as pessoas acabam levando seus conflitos para fora da política, em forma de ódio, intolerância e violência.

Laclau também surpreende porque defende o populismo de um jeito novo. Ele mostra que, muitas vezes, quando o sistema político não escuta as pessoas, o populismo surge para ocupar esse vazio — e que isso não precisa ser algo negativo, desde que o conflito continue dentro das regras democráticas.

 

3. Os dois ajudam muito a entender o que estamos vivendo hoje. A crise da democracia não é só por causa da polarização ou das fake news, mas porque o sistema político parou de oferecer espaços reais para o conflito e a diferença. Quando tudo parece igual — quando os partidos e governos dizem as mesmas coisas —, as pessoas se revoltam e o conflito volta com força, mas em forma de raiva e moralização: o “nós contra eles”, o “bem contra o mal”.

Mouffe e Laclau diriam que isso acontece porque a política deixou de canalizar os conflitos de maneira saudável. As disputas que antes eram políticas agora viram guerras morais, onde o outro é visto como inimigo.

A saída, segundo eles, não é acabar com o conflito, mas trazê-lo de volta para dentro da democracia. Precisamos aprender a discordar sem destruir — transformar o antagonismo em agonismo, ou seja, um conflito que faz a sociedade avançar.

Em resumo: a crise da democracia é a crise da nossa capacidade de lidar com o diferente. E tanto Mouffe quanto Laclau nos lembram que o dissenso não é uma ameaça, mas a essência do que é ser democrático.