Entre 1972 e 1974, o artista argentino Horacio Zabala criou uma série de obras baseadas em mapas, nos quais ele alterava graficamente os contornos da América Latina e da Argentina. Essas modificações artísticas foram uma forma de contestar as fronteiras políticas impostas pelos regimes militares e também um reflexo das tensões e divisões internas que esses governos causavam. Os mapas de Zabala apresentam fragmentações, desaparecimentos e reconfigurações territoriais que simbolizam a violência do Estado e a repressão aos direitos humanos, questionando o poder autoritário que dominava a região.
Zabala, ao produzir essas obras no início da década de 1970, se posicionou claramente contra a repressão militar. Ele via a arte como um reflexo da sociedade, como expressa em um de seus textos: "Que a obra não tenha valor em si, mas através de si" (ZABALA, 1972). Essa visão coloca a arte em função de algo maior, indo além de uma simples leitura formalista para uma abordagem crítica e política. No contexto da ditadura argentina, a criação artística de Zabala incorporou uma dimensão ética e política que desafiava as instituições artísticas e as técnicas tradicionais. Ao ocupar museus, galerias, ruas e praças, ele e outros artistas da época buscavam multiplicar suas críticas ao sistema, questionando os próprios limites das instituições e propondo novas formas de engajamento político por meio da arte.
Na obra "Tensiones", criada em 1974, o artista utiliza uma fórmula matemática de tensão sobre um mapa do Cone Sul da América Latina. Zabala não escolhe o mapa apenas por sua familiaridade e acessibilidade, mas por ser visto como um objeto científico e neutro. Ele desafia essa visão ao propor novas maneiras de enxergar e representar o espaço e a realidade.
Enquanto isso, na obra de 1974, intitulada "The fire and the night before", os países da América Latina são representados com marcas de queimadura no papel. Além dessa peça, Zabala criou outras utilizando a queima, simbolizando o clima de tensão política e destacando sua arte como um instrumento de resistência, além de um meio poético.
Essas obras são, portanto, uma poderosa forma de subversão, já que os mapas, que tradicionalmente representam controle e poder, são reconfigurados para questionar a própria legitimidade desses regimes. A escolha de trabalhar com mapas durante esse período turbulento demonstra como Zabala se apropriou de um símbolo de autoridade para propor uma crítica visual à repressão militar. Ao observar esses mapas, pode-se perceber como a arte de Zabala oferece uma reflexão sobre a repressão política e social vivida durante as ditaduras na América Latina, além de servir como um convite para repensar o conceito de fronteiras – físicas e simbólicas – em tempos de autoritarismo.
Referências:
PALADINO, Luiza Mader. Cartografias dissidentes: o ativismo artístico de Horacio Zabala durante a ditadura militar argentina. 2013. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/eha/atas/2013/Luiza%20Mader%20Paladino.pdf. Acesso em: 22 set. 2024.
SALES, Carla Monteiro. Os mapas artísticos de Horacio Zabala na ditadura militar argentina. Terra Brasilis [Online], n. 9, 2017. Disponível em: http://journals.openedition.org/terrabrasilis/2450. DOI: https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.2450. Acesso em: 22 set. 2024.