Escolhi como expressão artística a Cantata de Alagamar, gravada em 1979. Essa peça musical denunciava a violência sofrida por famílias camponesas que viviam na fazenda Alagamar, localizada na Paraíba. Foi composta pelo maestro José Alberto Kaplan e pelo poeta Waldemar José Solha, e teve apoio da Igreja Católica, especialmente através do então arcebispo da Paraíba, José Maria Pires, o que foi crucial para que a peça e a gravação em disco se concretizassem.
Esse trabalho artístico surge em um período em que a luta camponesa recobrava sua força, no final dos anos 1970, após uma fase de intensa repressão. Antes disso, as lutas de massa e as demandas dos camponeses haviam sido brutalmente reprimidas pelo golpe militar de 1964, que resultou na morte, prisão e deportação de grande parte dos líderes camponeses da época. Portanto, a obra tinha como objetivo dar maior visibilidade ao movimento dos trabalhadores rurais envolvidos na disputa com os proprietários das terras daquele latifúndio, denunciando os abusos sofridos pelas famílias camponesas que ali viviam.
Uma das passagens mais marcantes da Cantata destaca o grito de resistência que ecoou das Ligas Camponesas na Paraíba, durante a década de 1970:
"Primeiro é nunca matar
Segundo, jamais ferir
Terceiro, estar sempre atento
Quarto, sempre se unir
Quinto, desobediência
Das ordens de sua excelência
Que podem nos destruir."
Deixo aqui também o texto escrito na contra-capa da Cantata por Dom Helder Câmara, que desempenhou importante papel de enfrentamento à ditadura militar brasileira:
“A Cantata pra Alagamar merece ser ouvida por todas as pessoas de boa vontade que amam a verdade, o Belo e sonham com um mundo mais respirável e mais justo e mais humano. [...] Vem a Cantata e põe diante dos nossos olhos que ‘desenvolvimento’ em nosso país vem sendo crescimento econômico de uma minoria que não chega a 20% de nossa população e fabricação de miséria em ritmo alarmante.”
Cantata de Alagamar: https://www.youtube.com/watch?v=TsAUTOy366k&t=363s
Referências:
ANDRADE CABRAL, N. D.; DA SILVA, C. W. “Bem-aventurados os pacificadores”: Dom José Maria Pires e a Cantata pra Alagamar. Religare, [S. l.], v. 17, n. 2, p. 617–650, 2021. DOI: 10.22478/ufpb.1982-6605.2020v17n2.54019. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/religare/article/view/54019. Acesso em: 27 set. 2024.
TELÓ, F. A memória sobre a questão agrária durante a ditadura de 1964-1985: a comissão nacional da verdade e a sociedade civil. Raízes: Revista de Ciências Sociais e Econômicas, [S. l.], v. 39, n. 1, p. 161–178, 2019. DOI: 10.37370/raizes.2019.v39.88. Disponível em: https://raizes.revistas.ufcg.edu.br/index.php/raizes/article/view/88. Acesso em: 28 set. 2024.
MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES (MPA). Lutas Camponesas. Disponível em: https://mpabrasil.org.br/lutas-camponesas/. Acesso em: 27 set. 2024.
POVO de Alagamar conquista terras. Memorial da Democracia. Disponível em: https://memorialdademocracia.com.br/card/povo-de-alagamar-conquista-terras. Acesso em: 27 set. 2024.